segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Destaque: David Sedaris

«Quando penso nos anos em que fui fumador, a única coisa de que me arrependo é da quantidade de lixo que produzi, todas aquelas centenas de milhares de beatas que esmaguei com o pé. Ficava sempre indignado quando via alguém a despejar o cinzeiro do carro para a rua. «Que porco!», pensava. Mas limitavam-se a fazer por atacado o que eu fazia peça por peça. Numa cidade, desculpamo-nos dizendo que haverá alguém que limpa, alguém que não teria emprego se não atirássemos aquela beata para o chão. Ou seja, estamos a fazer uma coisa boa, estamos a ajudar. E, além disso, não era realmente lixo, não era como deitar fora uma lâmpada fundida. Ninguém iria cortar um pé numa beata e, por causa da cor, quase que se confundia com a paisagem, como se fosse uma casca de amendoim. Era «orgânico», «biodegradável» – uma dessas palavras que significam «não faz mal».

Continuei a deitar beatas para o chão até aos quarenta e oito anos, quando fui preso por causa disso. Foi na Tailândia, o que torna a história ainda mais embaraçosa. Quando conto a alguém que fui apanhado pela polícia em Banguecoque, ficam a pensar que, depois de ter feito sexo com uma criança de oito anos, a virei do avesso e a assei nas brasas, sendo que esta última parte, cozinhar sem ter uma licença, é ilegal segundo a lei tailandesa. «Vale tudo», era a impressão que tinha, e por isso, fiquei surpreso quando, vindos do nada, dois polícias se aproximaram de mim. Um deles pegou-me pelo braço direito, o outro pelo braço esquerdo e levaram-me para uma tenda castanha. «Hugh!», chamei mas, como sempre, estava vinte passos à minha frente e só reparou que eu tinha desaparecido dez minutos depois. Os polícias mandaram-me sentar a uma mesa comprida e fizeram sinal para que ficasse quieto. Depois, foram-se embora, deixando -me a pensar no que poderia ter feito para os ofender.
Antes do meu encontro com a polícia, eu e Hugh tínhamos visitado o museu de criminologia, uma triste construção artesanal cujo expoente máximo era um homem suspenso numa caixa de vidro e a escorrer um líquido âmbar para uma panela rasa de esmalte. A tabuleta, que estava escrita em tailandês e traduzida para inglês, dizia, simplesmente: «Violador e Assassino». Parecia a tabuleta de uma serpente embalsamada num museu de história natural, uma forma de dizer: «É este o aspecto desta criatura, mantenha os olhos bem abertos.»
Tirando o líquido âmbar, o violador e assassino era bastante bem-parecido, tal como os polícias que me tinham prendido na rua, e o homem que nos tinha vendido o almoço. Estavam apenas 150 graus na rua, por isso, depois de sairmos do museu de criminologia, Hugh teve a ideia de irmos comer uma sopa a ferver cozinhada, basicamente, num caldeirão de aço. Não havia mesas, por isso sentámo-nos em baldes virados ao contrário e pusemos as tigelas a escaldar em cima dos joelhos. «Vamos sentar -nos debaixo do sol abrasador e queimar a pele da língua!»: é a ideia que um Hamrick tem de uma tarde bem passada.
Depois, tínhamos ido visitar o palácio. Não é o tipo de coisa que me interesse muito, mas não me tinha queixado, nem insultado a família real. Não tinha roubado nada nem escrito coisas com uma Caneta Mágica, por isso, qual seria o problema?
Quando os polícias voltaram, estenderam-me uma caneta e puseram uma folha de papel à minha frente. O documento estava escrito em tailandês, uma língua que me parece mais um motivo decorativo de um bolo.
– O que é que eu fiz? – perguntei.
E o homem apontou para trás de mim, onde um cartaz anunciava uma multa de mil bahts por deitar lixo para o chão.
– Deitar lixo para o chão? – disse.
E um dos polícias, o mais bonito dos dois, tirou um cigarro invisível da boca e atirou-o para o chão.
Apeteceu-me perguntar se, em vez da multa, me poderia talvez açoitar, mas acho que isso é em Singapura, não na Tailândia, e não queria parecer pouco sofisticado. Acabei por assinar o papel, pagar o equivalente a trinta dólares e sair para a rua à procura da minha beata, que acabei por encontrar numa sarjeta, a boiar junto de uma cabeça de pato e de um saco de plástico com leite de coco, coberto de moscas.
[...]»

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