segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crítica de Leitor: «O Ladrão de Sombras»

«Consigo contar pelos dedos das mãos os livros que verdadeiramente me marcaram; aqueles livros que, de alguma forma, captaram de tal maneira a minha atenção que inevitavelmente me deixaram boquiaberta e totalmente extasiada, vibrando com cada palavra e cada acção das personagens principais. O Ladrão de Sombras é um deles... uma narrativa especial e única onde o leitor tem a oportunidade de ficar a conhecer uma genuína história sobre o amor, a solidão e a importância do momento.


Sem nunca antes ter experimentado a escrita de Marc Levy, desmotivada pela aparência de um romance excessivo ao estilo de Nicholas Sparks, parti para a leitura desta obra sem qualquer expectativa mas imensamente curiosa, cativada pela capa meio cartoon(ada) e pela sinopse de fácil ambiência mágica. Sequiosa por uma narrativa que oferecesse algo mais que uma simples reviravolta amorosa num universo de complicações e desencontros, encontrei em O Ladrão de Sombras uma história cheia de ternura e de momentos profundamente sinceros e verdadeiros, belissimamente descritos ao ponto de o próprio leitor se sentir compelido em ajudar e experienciar em primeira mão todo e qualquer acontecimento que trespasse os dias de infância e de vida adulta de um protagonista sem igual. De nome desconhecido, o «ladrão de sombras» transmite a sensação de ser a sombra de si mesmo e de todos nós, abrindo um pouco a visão do leitor face a excelência do que diariamente nos rodeia. Sem identidade própria as possibilidades são infinitas visto a ligação e empatia entre leitor e protagonista se tecer instantaneamente, precisamente no momento em que o primeiro se debruça sobre o medo que o segundo desesperadamente sente.

A primeira parte da narrativa é irresistivelmente acolhedora. O tom de Marc Levy mostra, neste livro, todo o seu poder e força em acarinhar o leitor; ele deslumbra-o e embala-o numa perspectiva muito íntima e pessoal, da visão de uma (ainda) criança, perante o seu lugar no mundo. O contacto inicial com alguns dos conceitos mais importantes e que o acompanharão durante toda a sua existência, como é o caso do amor, da amizade e da amargura da culpa, é descrito de forma irrepreensivelmente sublime o que torna automático o envolvimento por parte daquele que o está a descobrir pela primeira vez.
É neste vislumbre preambular de um «ladrão de sombras» impecavelmente sabido e preocupado que o leitor se vê perante um exercício quase obrigatório de reflexão. O lado mais inocente e puro de uma criança perante as imprevisibilidades e inconstância da vida, as ideias e pensamentos que transmite em relação aos assuntos mais banais e mais complicados – como, por exemplo, o lidar com uma família momentaneamente ausente, o explicar do aparecimento de uma sombra que não a sua, o encarar o primeiro amor e, consequentemente, a primeira desilusão amorosa... ou, até, o estranho e peculiar primeiro confronto escolar – levam a que o leitor recue aos seus tempos de infância onde, também ele, se debruçava de igual forma sob essas mesmas dúvidas e conformidades. Provocando no leitor uma tal nostalgia e saudade que o invade de tal forma intensa que a própria experiência com a narrativa se vê elevada a um nível completamente novo e inesperado. Em contrapartida, a segunda parte da história de O Ladrão de Sombras define-se por uma mensagem totalmente diferente – o leitor vê-se frente a frente, em parte, com o resultado de um egoísmo natural e inerente ao crescimento físico e mental. É nesta altura, quando a inocência é perdida, que o adulto acaba por descurar um pouco aqueles que outrora foram (e provavelmente ainda o são) os elementos mais importantes e essenciais das suas vidas. A solidão e o desejo de independência tomam conta da personagem principal – e do leitor – levando-o a reflectir sobre as suas acções passadas. É infinito o impacto que uma simples palavra ou gesto pode ter numa pessoa e, infelizmente, na maioria das vezes não temos total consciência da magnitude dos nossos actos e escolhas. Decisões que podem, com relativa facilidade, revirar de pernas para o ar aquilo que detínhamos como certo.

Em termos narrativos a mensagem é bastante clara: o «ladrão de sombras» tenta, por uma série de iniciativas, acções, medos e vontades mostrar que são as pequenas coisas que realmente nutrem significado, que nos ficam eternamente gravadas na memória e que nos fazem genuinamente sorrir e sentirmo-nos bem e felizes quando lembradas.

As personagens, diversificadas e distintas entre si, são outro ponto forte de O Ladrão de Sombras. Destaco Cléa que, para além de magnificamente caracterizada e emotiva, é igualmente marcante e especial. Embora não tenha o poder de roubar as sombras e descobrir silêncios e ambições através delas, também ela esconde um segredo e será através da sua condição diferente que permitirá não só uma conciliação do protagonista com o seu próprio fantasma como a transmissão de uma série de sentimentos e afinidades de uma forma única e harmoniosa.

O «ladrão de sombras» é, decididamente, espectacular. O seu intelecto e criatividade tornam-no numa personagem não só tocante como cativante. O leitor sente-se imediatamente em sintonia com ele. Senti-me, semelhantemente, acorrentada a Luc, tanto em jovem como em adulto, com o seu humor negro e simpatia presente assim como Sophie pela desilusão iminente e pela sinceridade e desejo enorme que tem em ser aceite e em captar a atenção de o «ladrão de sombras». Finalmente, ponto também positivo para Yves que, aparentando um ar misterioso e até algo mágico no captar escrito de uma criança exerce uma afinidade muito própria e segura com o leitor.

O Ladrão de Sombras apresenta-se assim como um livro particularmente bem escrito e onde podem ser encontrados os principais e mais valorizados conceitos para a sobrevivência humana. Um livro que, de certo modo, faz um esforço por abrir os olhos de um leitor desatento, ainda que por um especialmente único meio de ficção.

Uma escrita inocente, mágica e envolvente... com um protagonista brilhante e profundo. Um livro que não deixará ninguém indiferente. Uma aposta muito forte da Contraponto. A não perder!»
Pedacinho Literário

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