quarta-feira, 14 de março de 2012

Crítica de Leitor: «Não Sou Um Serial Killer»

«Dentro dele, vive um monstro. Por trás de uma fortaleza, escondido pelo exterior normal dele, um monstro quer-se soltar, quer ser livre, e está sedento de sangue. Uma criatura que não tem medo de gerar o medo, uma criatura que se alimenta do olhar assustado de outrem, e que deseja o que não pode ter. Mas o mal não se fica por aqui, e mesmo ao virar da esquina reside um demónio que somente pode ser quebrado pela força de um verdadeiro monstro. O que irá ele fazer?


Não Sou Um Serial Killer trata-se de um livro fascinante na medida em que o leitor se sente automaticamente cativado por uma personagem complexa e de autonomia extrema. Incapaz de estabelecer ligações emocionais, John Wayne Cleaver é o protagonista que os adolescentes vão adorar, e a personalidade que os adultos não vão conseguir esquecer. Muito próximo de um Dexter em ponto pequeno, este rapaz de quinze anos retratará o bem e o mal, o certo e o errado, na perspectiva única de alguém que sofre de sociopatia.

Dan Wells desenvolve assim uma ideia que tanto tem de prometedor como de cativante, excepcionalmente bem estruturada e com um leque de intervenientes sólido, interessante e, no mínimo, peculiar. Dotado de um estilo de escrita maduro, inteligente e singular, tenho a certeza de que este autor cuja potencialidade é extraordinária, continuará a primar os seus leitores com obras apelativas e recheadas de pequenos pormenores deliciosos. É que, para quem não sabe, Não Sou Um Serial Killer tem continuação...

John Wayne Cleaver sabe que não é um jovem como os outros. Tal não se sucede por trabalhar numa casa mortuária onde embalsama cadáveres, nem por fazer parte de uma família claramente disfuncional. Não. John Wayne Cleaver tem consciência da sua particularidade enquanto ser humano pelo simples facto de não se conseguir ligar a ninguém, nem mesmo à sua mãe. Para além disso, é obcecado pelo psicológico dos assassinos em série, partilha o nome com um serial killer, e não consegue evitar pensar em matar alguém de mil e uma formas diferentes quando essa pessoa o chateia. Por isso mesmo estabeleceu regras muito específicas para a sua existência, regras com as quais tem de viver, tem de cumprir e não pode prescindir, de modo a manter-se são e «normal», mas isso não será por muito tempo...

O Monstro é uma figura que tanto tem de assustador como de curiosidade. Adormecida, encurralada, esta é uma personagem que cria uma certa ambiência de dúvida e inquietação ao longo da trama, deixando o leitor constantemente à beira do suspense e do abismo, à espera do momento em que tudo mudará ao ponto de já não haver retorno.

O Demónio é alguém mutável e diferente na sua compleição. Alguém que aparece quando menos se julga, alguém cuja necessidade primária de subsistência o impede de se continuar a camuflar, a esconder e a viver com normalidade. Um indivíduo intelectual e cuidadoso, que não se impedirá de espalhar o terror e a morte. Uma personagem que continuamente deixará o leitor com pele de galinha ao mesmo tempo que se unirá a ele de forma intensa e inquebrável, acabando por suscitar uma certa empatia e compaixão.

Num enredo que se desenvolve com naturalidade e consistência, John Wayne Cleaver é, certamente, a sua alma grandiosa. Para mim, uma personagem que tanto se adora como rapidamente se odeia, que não deixa de impor respeito e de espalhar um pouco de medo. Que tanto me fez rir perante uma faceta irónica e brincalhona mas cujas piadas se cingiam a temas decididamente nada divertidos, como me deixou numa situação delicada onde o receio, a possível dor e sofreguidão de uma inconstância de emoções e sentimentos me fez ansiar novamente por segurança. Um protagonista extremamente racional e inteligente, que não só esboça perfiz incrivelmente adultos e psicológicos de pessoas comuns – ou que, por algum acaso, lhe suscitaram atenção – como, ao mesmo tempo, se deixa levar pela juventude que possui, pelas paixonetas que não entende, pelas amizades de que necessita, pelo hábito que entrou na sua vida e pelo trabalho que não consegue largar. Sem dúvida, alguém que poderia ser o nosso vizinho do lado, ou o irmão de um amigo. É que estas pessoas ditas «especiais», que se encontram constantemente à beira do precipício são, acima de tudo, iguais a nós, nem que seja no aspecto físico. E isso sim é o que mais assusta.

Esta foi, surpreendentemente, uma leitura sôfrega e ávida. Não Sou Um Serial Killer é o tipo de livro que, uma vez folheada a primeira página, não mais se consegue largar até se alcançar o final e descobrir como foi que tudo aconteceu e como terminou. Até ao último instante, e este é outro dos seus aspectos positivos, tudo está em aberto, passível de inúmeras surpresas e reviravoltas.

O estilo de Wells é, decididamente, outro dos encantos deste livro já que optou pela personificação na primeira pessoa de uma personagem que se expõe no papel, que deixa os seus pensamentos fluir, os seus receios, as suas necessidades e a melhor forma de as contornar ou satisfazer. Para mim, uma narrativa que vale a pena, principalmente pelo seu protagonista.

O único aspecto que me deixou ligeiramente de pé atrás foi a componente sobrenatural que Wells incorporou na sua trama deveras realista. Embora não estivesse à espera, e uma vez que essa informação estava lá, gostaria de ter ficado a saber um pouco mais sobre como isso aconteceu e porquê. É que estando rodeada de tanta «verdade», foi estranho encontrar algo tão místico. Mas ficarei a aguardar pela continuação, com a esperança de que algumas das minhas dúvidas e incertezas sejam preenchidas.

Em última instância, Não Sou Um Serial Killer é, claramente, um livro que recomendo pela sua diferença e singularidade. De leitura rápida e leve, esta foi uma muito agradável surpresa da Contraponto, que uma vez mais soube como marcar o seu ritmo e preferência. Gostei... e recomendo!»
Pedacinho Literário

terça-feira, 6 de março de 2012

Crítica de Leitor: «Não Sou Um Serial Killer»

«Não Sou um Serial Killer é o romance de estreia de Dan Wells. Fascinado pelo género fantástico e pela ficção científica, o autor decidiu desde muito cedo que queria ser escritor, mas primeiro experimentou outras áreas, como a publicidade. Em 2009, Wells apresentou o seu primeiro livro, que se tornou, imediatamente, num sucesso.

John Wayne Cleaver é um rapaz de 15 anos que aparenta ser normal, mas mais tímido e reservado do que a maioria. Contudo, a verdade é que “normal” é uma definição muito errada para o definir. John tem Transtorno de Personalidade Antissocial, ou seja, é um sociopata. A sua incapacidade de sentir empatia pelos outros faz com que desenvolva hobbies que não são bem vistos pelos outros. Para além de adorar ajudar na morgue da família, especialmente quando existem embalsamamentos para fazer, é fascinado por serial killers. Inserido numa família desestruturada e a receber acompanhamento psicológico, John acredita que tem um monstro dentro de si e, de modo a não o deixar sair para o mundo exterior, impõe uma série de regras à sua conduta.

A narrativa inicia com a apresentação deste jovem, que deseja, mais do que tudo, alguma ação e compreensão na sua pequena cidade. Os seus desejos rapidamente são atendidos, quando um homem surge assassino de uma forma incomum. Convencido de que se trata do trabalho de um assassino em série, John fica expectante com a possibilidade de surgir um novo corpo. Quando tal acontece, o jovem fica extasiado e inicia uma verdadeira caça ao homem (ou Demónio, como lhe chama).

Narrado na primeira pessoa, o que leva o leitor a criar uma maior proximidade com o protagonista, este livro apresenta uma história intimista de um pequeno rapaz que deve ser temido. John é uma personagem cativante, e faz lembrar Dexter Morgan, um outro sociopata protagonista de uma série com o mesmo nome, devido à sua obsessão e esforço por parecer ter um comportamento socialmente aceite.

Dan Wells guarda algumas surpresas para os seus leitores. O autor conseguiu colocar um dos seus géneros de eleição dentro de um policial, de uma forma surpreendente que muito agrada, e é a partir desse momento que o ritmo de leitura se tornará frenético. A vontade de conhecer o desenlace da história vai aumentar ao virar de cada página.

O maior ponto positivo vai para a chamada de atenção do autor para o facto de as aparências nem sempre corresponderem à realidade. Wells mostra de um modo cativante que aqueles que parecem ser mais inofensivos escondem grandes segredos. – Cláudia Sérgio»
Bela Lugosi Is Dead

Crítica de Leitor: «Sangue Quente»

«R é um zombie. Do seu passado enquanto vivo, recorda apenas a inicial de um nome que desapareceu com todos os conhecimentos aprendidos. Não tem qualquer outra memória. A sua existência resume-se ao aeroporto onde deambula com os outros Mortos e às expedições de caça onde ele e muitos outros se alimentam... dos vivos. Mas R não é exactamente como os outros e, no dia em que o seu caminho se cruza com o de Julie (depois de uma conveniente refeição proporcionada pelo seu namorado), a natureza de R começa a alterar-se e a inevitável barreira que o separa dos Vivos deixa de parecer tão intransponível como julgara...


Muitas das histórias de zombies são, na verdade, sobre os sobreviventes humanos ao inevitável apocalipse zombie. É dos vivos que tratam e da sua capacidade de resistir. Mas não é o caso deste livro, ou, pelo menos, não completamente. Sangue Quente é contado do ponto de vista de um zombie e, como tal, é da vida (ou da não-vida) de R que se trata. E o seu percurso é um ponto de partida muito interessante para a abordagem de várias questões sobre o que define a natureza humana.

Sem memórias, sem sentimentos, sem uma história com a qual aprender, R é, à partida, uma figura com pouco de humanidade. E se lhes juntarmos o facto de ser um zombie que se alimenta dos vivos, a definição torna-se bastante mais clara: monstro. Mas as coisas nunca são exactamente a preto e branco neste livro e, ao apresentar os pensamentos de R e a forma como as mudanças o tornam bastante diferente da imagem inicialmente esperada, levanta-se então uma questão muitíssimo interessante: que elementos definem um ser humano? Uma pulsação, um coração que bate, o sangue vermelho que circula nas veias? Ou a capacidade de sentir e de pensar, de recordar e de planear, de fazer escolhas que moldam o futuro e, simplesmente, desejar viver?

Da explicação para o aparecimento dos zombies - doença, maldição ou outra qualquer razão ignorada - não há grandes desenvolvimentos. Fica a curiosidade em saber os comos e os porquês, mas esse é um aspecto secundário: a situação surgiu e o mundo reagiu como sabia. Assim, o mundo de R é apresentado tal como é, sem origens nem grandes desenvolvimentos de história prévia, mas centrado essencialmente nas personagens. Há, ainda assim, algumas revelações interessantes à medida que R. se torna mais capaz de perceber o mundo em redor, tanto a nível da história de Julie (e Perry) antes do momento em que se encontraram como no que toca ao desenvolvimento dos Vivos e à reacção face à ameaça Morta. Também desses momentos surge algo para reflectir, quer sobre a capacidade de reacção à adversidade, quer sobre o valor das memórias e das emoções. Mais uma vez, parte do que define a condição humana.

O mundo de R é inesperadamente elaborado, não sendo, por isso, surpreendente o ritmo relativamente pausado da narrativa. Surpreende, contudo, a forma como a estranheza inicial se abre numa inesperada complexidade emocional: por um lado, o toque de macabro proporcionado pelas "rotinas" dos zombies, por outro a quase ternura com que o contacto entre R e Julie se vai desenvolvendo, por outro ainda a quase melancolia de um mundo em que uma ameaça levou a que todos se fechassem ao que dá valor à vida.

No que toca a histórias de amor, esta tem, provavelmente, uma das bases mais estranhas. Ainda assim, e sendo muito mais que o simples envolvimento romântico entre criaturas de mundos opostos, Sangue Quente apresenta muito de bom para descobrir. História de um estranho amor, mas também reflexão sobre o que nos faz humanos, este é um livro que cativa tanto pela estranheza do cenário, como pelas emoções que, aos poucos, se tornam familiares. E é, acima de tudo, isso que fica na memória.»
As Leituras do Corvo