terça-feira, 19 de junho de 2012

Crítica de Leitor: «Ninguém Quis Saber»

«Poucos dias depois de ter ganho uma soma considerável nas corridas de cavalos, o fotógrafo Henry Dahlström é encontrado morto na câmara escura onde continuava a trabalhar. Com um historial de alcoolismo e, em consequência, com um grupo de companheiros pouco recomendável, a primeira suspeita é a de que a sua morte tenha resultado de uma tentativa de roubo que correu mal. Mas as pistas que vão surgindo parecem descartar essa hipótese e a investigação de Anders Knutas torna-se ainda mais complicada com o desaparecimento de uma jovem que trabalhava no estábulo onde decorreram as corridas.

Escrita de forma directa e sem grandes elaborações, esta é uma história que, apesar de revelar o suficiente das vítimas e um pouco da personalidade do assassino, se centra principalmente nos passos da investigação. É a investigação de Knutas e da sua equipa o foco de grande parte do enredo e, como tal, são os passos deles o elemento central da narrativa. As suspeitas que se revelam erradas, os impasses de quando tudo parece apontar para um beco sem saída e a necessidade de recomeçar quando uma teoria se revela errada fazem parte do percurso da investigação e é nestes aspectos que se encontra o maior desenvolvimento, sempre de forma directa, com os factos como elemento dominante, mas com a medida certa de mistério a manter a curiosidade em saber mais.
E, se o mistério da morte de Dahlström basta para despertar o interesse do leitor, as coisas tornam-se ainda mais interessantes com o desenvolvimento da história de Fanny, a rapariga desaparecida. Ao apresentar parte dos seus passos antes do desenvolvimento, a autora cria proximidade com uma vítima que, porque mais inocente, desperta mais facilmente a empatia do leitor que no caso de Dahlström. Além disso, ao enigma das relações que talvez existam entre ambos os casos, junta-se ainda uma discreta história complementar que diz respeito ao jornalista Johan Berg e a uma relação amorosa que parece destinada a levantar problemas. Todos estes elementos fazem com que, apesar da relativa brevidade do enredo, que deixa por vezes a sensação de que mais haveria a dizer, haja bastantes elementos de interesse ao longo da história, bem como alguns momentos particularmente intensos.
Importa ainda referir a sensação de uma certa distância, que surge nas fases mais dedicadas aos pormenores da investigação, mas que se desvanece com o evoluir da história e com o adensar do enredo no que diz respeito a Fanny, abrindo caminho para um final intenso e que, ainda que um pouco brusco, surpreende pela revelação inesperada.
Um caso interessante, uma escrita cativante e alguns desenvolvimentos curiosos acerca de personagens sobre as quais haverá, certamente, mais a dizer, são o que faz deste livro uma história que, apesar da relativa brevidade e de algumas perguntas deixadas sem resposta, nunca deixa de ser envolvente e interessante. Uma boa leitura.»
As Leituras do Corvo



terça-feira, 12 de junho de 2012

Crítica de Leitor: «Sangue Quente»

«Confesso que estava um pouco céptica em relação em relação a "Sangue Quente", pois este novo conceito do uso de zombies como personagens românticas, ou com algum tipo de objectivo que não a retratação de um ser assustador e ameaçador, era algo quase que impensável para mim... Pois como iriam "romantizar" seres cadavéricos sem o calor dos lobisomens, ou o charme dos vampiros?

Isaac Marion leva-nos para um mundo destruído e divido entre Mortos e Vivos, que se encontram em guerra pela sobrevivência das respectivas espécies.
Um mundo em que a devastação é corriqueira, onde os Vivos se isolam em fortificações, sobrevivendo com dificuldades, enquanto que os Mortos (leia-se zombies e os seus guias, Ossudos) se encontram no exterior, caçando sempre que têm fome, e provocando mais medo e infestação.
Em "Sangue Quente", os zombies são exactamente como os conhecemos: criaturas cadavéricas, com o mínimo de inteligência, sem qualquer memória das suas vidas antes da infecção, com andares cambaleantes e que têm como dieta a carne humana.
R, o protagonista do livro, e a partir deste momento, o meu zombie favorito, tal como os outros da sua condição, não sabe quem é, de onde veio, ou o que fazia, mas, ao contrário dos seus iguais, manteve a sua inteligência intocável, embora a dicção fosse um grande problema.
Numa das caçadas do seu grupo, R conhece Julie, após matar o seu namorado Perry, e é aí que tudo muda para estas três personagens.
Perry morre, mas continua vivo dentro de R, ajudando o zombie na descoberta do seu novo "eu", na sua mudança para alguém que sente, que vive, que ama. Desenvolve-se uma relação de cumplicidade e inevitabilidade entre Perry e R, que comove o leitor, mantendo-nos agarrados a estes dois, esperando que lhes seja feita justiça, com um final digno de ambos, coisa na qual Isaac Marion não falhou!
R entra subitamente na dita mudança, com a ajuda de Perry e Julie, que com o seu afecto e esperança, provoca em R sensações que ele jamais pensou voltar um dia a sentir.
R é uma personagem extremamente culta e promissora, muito bem estruturada e como narrador, não poderia ser melhor! Um grande aplauso ao autor, que conseguiu manter uma narrativa interessante pelos olhos de um zombie, algo de que me teria rido com incredulidade até ler "Sangue Quente".
Por fim, temos Julie, uma jovem atraente de 19 anos que perde o seu namorado numa missão, onde conhece R, que a salva e a acolhe em sua casa.
Julie foi a personagem com que menos me identifiquei, devido à sua inconsistência... ora muito madura, ora demasiado infantil para os seus sofridos 19 anos.
Quanto à leitura, fora difícil nas primeiras 80 páginas, pois por mais interessante e culto que R fosse, a sua mente continuava estagnada como seria de esperar de um zombie, reflectindo-se na acção, tornando-a um pouco enfadonha e difícil de digerir.
Mas, após esse período, R muda, e a acção dá uma volta de 360º que me manteve agarrada até ao final. Agora, R e Julie têm nas mãos o poder de tentar mudar o mundo!
A leitura torna-se fácil, rápida e fluída, com muita acção e violência, erradicando-me do pensamento qualquer réstia de ideia pré-concebida que estava perante outro livro de adolescentes. "Sangue Quente" é um romance, mas para mentes maduras, devido aos conteúdos explícitos e violentes que nele figuram. Não me interpretem mal, são esses conteúdos que me fazem gostar do livro, mas para leitores susceptíveis ou de idades menores, talvez não seja indicado explorarem esta obra.
"Sangue Quente" foi uma grande surpresa, pela positiva. A Contraponto está de parabéns, pelo seu trabalho na tradução, assim como por não ter medo em arriscar!
Agora é esperar por Agosto, e rezar para que o filme esteja ao nível do livro!»
Joana Nunes, Segredo dos Livros

Crítica de imprensa: «Eu Sou Deus»

«Quando alguém se julga acima da lei dos homens

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Giorgio Faleti é um mestre dos mistérios policiais. Italiano, leva-nos para Nova Iorque para seguirmos o rasto de um assassino que julga ser Deus.

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O que é que pode acontecer quando alguém julga que está acima das leis dos homens e que tem o poder para impor os seus desejos? Ou seja, que é Deus. Quando, ainda por cima, se cruza isso com o mundo do policial, o resultado pode ser muito estimulante. E é isso que acontece com "Eu Sou Deus", de Giorgio Faletti, mestre perfeito da arte de trocar as voltas ao leitor. O título, só por isso, confronta-nos com a dimensão do que temos para ler.
Afinal, pode alguém que acredita que é Deus ser culpado de alguma coisa? E pode, não sendo Deus, ser condenado por pecados que acredita que não cometeu? É para esse pântano moral, onde se afundam as melhores intenções, que os leitores são atirados. Giorgio Faletti apresenta-nos um labirinto policial perfeito para nos perdermos.
Nestas páginas mágicas, seguimos a investigação da detective Vivien Light que, após uma pessoa ser encontrada dentro das paredes de um prédio em demolição, entra em acção. Mas rapidamente outro caso, a explosão de um prédio em demolição, entra em acção. Mas rapidamente outro caso, a explosão de um prédio que causa inúmeros mortos, a chama. Nada parece unir os dois casos? Nada? Bem, aqui nada é o que parece. O atentado parece um acto terrorista que ninguém reivindica. Quem será o responsável? Junto de Vivien Light está Russel Wade, jornalista fracassado que fornece a pista inicial para a investigação.
No início julgamos conhecer o assassino. Mas há enigmas que se sucedem durante o livro e, por isso, as nossas certezas vão caindo, como se fossem castelos de cartas. Temos um caso policial pela frente. Mas o livro remete-nos sobretudo para o mundo do pecado e da possível redenção. Quando o misterioso criminoso se vira para o padre McKean e lhe diz: "Não estou à espera da absolvição, porque não preciso dela. E, de qualquer maneira, sei que não ma daria", todas as cartas surgem trocadas. O criminoso não sente estar a pecar. Mas sente que precisa de confessar o que faz. Quando diz: "Eu Sou Deus" ele quer dizer-nos que está na fronteira entre os vivos e os mortos. Mas o criminoso é uma personagem que só mais tarde conheceremos realmente.
Ele é também um símbolo na luta tenaz entre a luz e as trevas. A luz é representada pela detective Vivien Light. Como detective, ela quer ser a claridade que ilumina o mundo sombrio do terrorista assassin que ataca Nova Iorque. Mas também se quer iluminar interiormente. A sua busca por iluminar a escuridão é também uma forma de percebermos por que é que num mundo em que a culpa é sempre do outro às vezes não sabemos como reagir quando não sabemos quem culpar. "Eu Sou Deus" é também um livro sobre as feridas nunca cicatrizadas da guerra. São do Vietname, como poderiam ser do Iraque ou do Afeganistão. Ou dos Balcãs. "As guerras acabam. O ódio dura para sempre", diz-se a certo momento neste livro. Sendo um policial, este é também um livro sobre os danos colaterais da guerra. Giorgio Faletti quer falar-nos da estupidez das guerras. Que vai deixando pessoas marcadas a ferro em brasa e que transforma heróis em inimigos do seu próprio país. O Vietname é ainda hoje um símbolo para diferentes gerações. Por isso está aqui. É esse monstro sem rosto que carrega todas as culpas da sociedade que encontramos aqui na forma de um terrorista. Temos pistas sobre ele. E, por isso, no meio da escuridão tem de surgir Vivien Light, para incidir a luz sobre todas as coisas que nem outra personagem central no livro, um jornalista fracassado de nome Russel Wade, consegue explicar.»
Fernando Sobral, Jornal de Negócios

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Crítica: «Persépolis»

«Mais de uma década depois da publicação original, em francês, chega às livrarias portuguesas uma daquelas obras que só não está no cânone das leituras essenciais porque não se trata de prosa, mas sim de banda desenhada. Na primeira pessoa, Persépolis conta a história de Marjane desde o momento em que a revolução iraniana cede lugar ao regime dos ayatollahs, em 1979-80, até ao momento em que a narradora decide sair do Irão e instalar-se, definitivamente, em França. Não se trata de um percurso linear, ou de um registo filtrado dos vários momentos de mudança do regime iraniano, mas antes de uma sucessão de pequenos episódios que compõem uma autobiografia ficcionada, muito marcada pelas descobertas, pelas dúvidas e pelos dilemas individuais de Marjane, não só em relação ao que se passa no Irão, mas igualmente perante tudo o que muda diariamente, sobretudo no seu processo de crescimento e no modo como se relaciona com os outros. E os outros, nesta história, tanto podem ser os pais que não a deixam participar nas manifestações por ser demasiado pequena, como as professoras que esperam dela uma obediência cega ou as amigas que anseiam por um marido. Os outros são os europeus que não conseguem vê-la sem um filtro de exotismo ou um alerta de terrorismo, mas são igualmente os seus compatriotas quando a crêem demasiado ocidentalizada, sem vontade de um casamento de conveniência ou de seguir a vida reservada às mulheres na Teerão da sharia.

A obra que consagrou Satrapi (e que teve adaptação cinematográfica em 2007) estrutura-se num registo gráfico onde se cruzam os momentos biográficos dos primeiros anos com as inevitáveis intrusões fantasiosas (como as conversas com Deus, em vinhetas que o representam com assumidas parecenças com Marx, ou as imagens das torturas políticas, demasiado duras, mesmo no imaginário de uma criança). Nas pranchas onde os factos históricos são fulcrais para o edifício narrativo, Satrapi recorre a representações esquemáticas da história do Irão que emanam da iconografia artística da Pérsia, assim incorporada no preto-e-branco das pranchas. Mas ao longo de todo o livro, o que define a narrativa é a auto-representação, da infância de todas as descobertas à primeira estadia europeia de Marjane (em Viena, na fase mais decisiva da adolescência), do início da guerra Irão-Iraque à decisão de trocar Teerão por Paris. Mais do que uma graphic novel de pendor histórico, Persépolis é um monumental registo da memória, consciente do passado, mas mais consciente ainda da inevitabilidade de o ficcionar.»
Sara Figueiredo Costa, Cadeirão Voltaire


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Novidades do mês

Espreite aqui as novidades da Contraponto para começar bem o verão!