quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Crítica: «Fun Home»


«Publicada em 2006, após sete anos de um minucioso trabalho de escrita e ilustração, a «tragicomédia familiar» de Alison Bechdel integra-se num subgénero das novelas gráficas: o que faz da autobiografia um exercício de investigação sobre o lugar do autor no mundo. Exemplos maiores são o monumental Blankets, de Craig Thompson (Biblioteca de Alice, 2011), e Persépolis, a obra-prima de Marjane Satrapi (Contraponto, 2012). Em qualquer destes casos, o relato da própria vida e das suas incidências, muito focadas na transição problemática para a idade adulta, permitia uma visão panorâmica de realidades sociais concretas. Thompson mergulha-nos na asfixiante atmosfera religiosa da América profunda (Wisconsin), difícil para um adolescente em crise de fé; enquanto Satrapi traça um memorável fresco da sociedade iraniana na década de 80, quando o fundamentalismo islâmico instaurou a sua lei (posta em causa pela rebeldia da jovem Marjane, num registo que oscila entre o humor corrosivo e a denúncia crua dos factos). Ao narrarem os seus processos de crescimento e libertação, tanto Thompson como Satrapi descrevem um movimento centrífugo (Craig perde o primeiro amor e sai de casa dos pais; Marjane instala-se na Europa, falha a adaptação, regressa à pátria, desilude-se, e parte de vez para França). Pelo contrário, o movimento descrito por Alison Bechdel em Fun Home é centrípeto, virado para dentro, fixando-se na procura de um sentido para a relação complexa entre a autora e o pai.
A cena inicial determina desde logo os termos desta relação. Deitado num tapete da sala, Bruce Bechdel sustém o peso da filha pequena com os pés, uma acrobacia a que se convencionou chamar «jogos de Ícaro». Ao equilíbrio precário e desconfortável, Alison contrapõe a alegria pelo «raro contacto físico» e estabelece a primeira de muitas inversões simbólicas que atravessam o livro: ao replicarem o mito de Dédalo e Ícaro, «não fui eu mas sim o meu pai quem se despenhou do céu». Esta queda consubstancia-se num acontecimento trágico: a morte de Bruce, atropelado por um camião. Sem ter elementos que o provem, Alison suspeita de suicídio. Havia duas semanas que a mãe lhe pedira o divórcio. E meses antes fora ela a fazer o coming out, anunciando por carta a sua homossexualidade. Um anúncio ofuscado pela revelação de que o pai sempre fora gay, mantendo relações secretas com alunos e outros rapazes. Enquanto ela afirma a sua identidade, mesmo antes de experimentar o sexo com mulheres, Bruce mostra-se incapaz de sair do armário – e Alison vê na tensão entre estas duas atitudes, tão díspares, um gatilho possível para o gesto fatal.
De certa forma, é em volta deste nó, desta dúvida, que o livro se organiza. Tanto a mãe como os irmãos ficam em segundo plano, são figuras apagadas, difusas, dando todo o espaço a Bruce e às suas idiossincrasias. Professor de inglês que herda uma agência funerária, obcecado pela decoração da casa vitoriana, ele cultiva uma «fria distância estética» que o desliga emocionalmente da família («tratava os móveis como se fossem filhos, e os filhos como se fossem móveis»), passando o tempo a ler, tal como Alison. É aliás nesse território comum, o da leitura, que a verdadeira comunicação entre os dois se dá, quer pela troca directa de livros, forma de expressar o que nos diálogos fica só implícito, quer pelo recurso a elaboradas referências literárias (Camus, Wallace Stevens, Proust, Scott Fitzgerald ou Joyce) que se entranham na estrutura do relato, iluminando-o.
Bechdel consegue uma coisa rara: o equilíbrio perfeito entre o texto – poderoso, de grande força evocativa, embora por vezes demasiado denso – e um trabalho gráfico que parece linear, mas na verdade é bastante complexo (repare-se na atenção maníaca aos detalhes, nos muitos planos que cabem numa mesma prancha, na integração orgânica de elementos reais: mapas, diários, fotografias). Sendo excelente o trabalho do tradutor, lamenta-se apenas que a aguada verde-cinza do original, com a sua «qualidade sombria e elegíaca» (nas palavras da autora), se tenha perdido pelo caminho.»
Bibliotecário de Babel



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Regresso à normalidade... ou não!

Depois de umas férias bem merecidas, regressamos todos, editores e leitores, os primeiros para lançarem novos livros e os segundos para descobrirem novas leituras. Eis as novidades que vos apresentamos este mês, porque o verão ainda não acabou! Espreitar por aqui.